Dia 14 de setembro a Igreja católica celebra a Exaltação da Santa Cruz. É uma festa muito antiga. Tem suas raízes no século V, ao menos em Jerusalém. Em Roma se celebrava a “Invenção, ou seja, o Encontro da Santa Cruz”, no dia 03 de maio. Em 1960, as duas festas foram unificadas.
Antes do século IV a Cruz quase não chamou a atenção dos cristãos. Somente após a conversão de Constantino que, motivado por sua mãe, Santa Helena, aboliu o suplício da crucifixão, o que era anteriormente um opróbrio, tornou-se um objeto de veneração e a devoção à Cruz passou a ser motivada e orientada pelos pastores de então, como se pode constatar em suas homilias.
São João Crisóstomo, por exemplo, faz esta exortação:
“Não te envergonhes de tão grande bem, se não queres que também Cristo se envergonhe de ti quando vier na sua glória e o sinal da Cruz aparecer mais luminoso que os próprios raios do sol. (…). Este sinal, quer seja nos tempos de nossos pais, quer seja hoje, abre as portas que estavam fechadas, neutraliza o efeito mortal dos venenos, anula o poder letal da cicuta, cura as picadas das serpentes venenosas. De fato, se esta Cruz abriu as portas da morte, soltou novamente os ferrolhos do céu, renovou o ingresso ao paraíso, destruiu o domínio do diabo, não é de admirar, se ela venceu também força dos venenos, das feras e de outros semelhantes mortais perigos. Imprime, portanto, este sinal no teu coração e abraça esta Cruz , a quem devemos a salvação de nossas almas.
Na mesma linha vai a orientação de São Cirilo de Jerusalém:
“Não nos envergonhemos, pois, de confessar o Crucificado. Na fronte com desassombro façamos com os dedos o sinal da cruz e tracemos a cruz em tudo: sobre o pão que comemos, sobre o cálice que bebemos; à saída e à volta; antes de dormir; ao deitar e ao levantar; ao andar e ao descansar. É uma grande proteção: gratuita, por causa dos pobres; fácil, por causa dos fracos. De Deus vem a graça. A Cruz é o sinal dos crentes e terror dos demônios. (…). Não desprezes, por ser gratuito este sinal; antes por este motivo honra tanto mais o benfeitor ”.
Até o século VI, a cruz era vazia, sem a imagem de Cristo. Em seu lugar, eram colocadas pérolas e pedras preciosas. A partir do século VI até o século XII, era comum afixar à cruz a imagem do Cristo vencedor. Em vez de coroa de espinhos, o Cristo tinha em sua cabeça uma coroa de ouro. As pedras preciosas substituíam o sangue e as feridas do Calvário.
Sem dúvida, os fiéis sabiam que Cristo havia morrido em meio a atrozes sofrimentos, mas ao lado deste acontecimento material, sensível, o crente vislumbrava outra realidade. Observando o Crucifixo, o crente via seu triunfo, a sua vitória. De acordo com o Apocalipse que fala do Cordeiro imolado de pé, no centro do trono (Apc 5,6), o crente via na Cruz o Cristo vivo, ressuscitado e a ele elevava o seu culto. Por isso, a adoração da Cruz, no começo da Igreja, era feita no dia da Páscoa, estendo-se até o dia de Pentecostes. Na verdade, o mistério pascal, na sua plenitude e integridade, é o mistério da vida que triunfa sobre a morte.
Esta teologia e esta espiritualidade encontram-se muito bem expressas nos textos da celebração da Exaltação da Cruz. Neste sentido, penso ser suficiente apenas um exemplo: a Antífona do Cântico evangélico das Laudes: “Adoramos, Senhor, vosso Madeiro; vossa ressurreição nós celebramos. A alegria chegou ao mundo inteiro pela Cruz que nós hoje veneramos”.
A religiosidade popular também bebe desta mesma espiritualidade, como se pode ver no popularíssimo canto, Vitória tu reinarás, Ó Cruz tu nos salvarás Brilhando sobre o mundo que vive sem tua luz, Tu és o sol fecundo de amor e de paz, ó Cruz. Aumenta a confiança do pobre e do pecador. Confirma nossa esperança na marcha para o Senhor.À sombra dos teus braços, a Igreja viverá Por ti, num eterno abraço, o Pai nos acolherá.
A cruz, portanto, é central na vida do cristão. É falso um cristianismo sem Cruz, como anunciam muitos pregadores católicos e outros tantos irmãos pentecostais. Também é falso o cristianismo que faz da Cruz um instrumento de alienação, fatalismo e exploração. Mas a fé cristã continua e continuará tendo toda a sua força de salvação, na medida em que for anúncio libertador e redentor da Cruz e da Ressurreição de Jesus Cristo. (fonte:https://www.cnbb.org.br/Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio-PR).