Conhecer o tamanho e classificar o tipo das pastagens no Planalto Sul de Santa Catarina usando imagens de satélite, drones e algoritmos de aprendizado de máquina. Esse é o desafio em que a equipe de Geoprocessamento da Epagri/Ciram embarcou, com entrega marcada para 2026. O projeto, que vai examinar uma área de 16 mil km2, é estratégico para a conservação das pastagens naturais, também conhecidas como campos nativos – um ecossistema que vem perdendo espaço rapidamente em Santa Catarina.
As pastagens dessa região já foram mapeadas pela Epagri em 2017/18, durante o projeto de Indicação Geográfica do Queijo Artesanal Serrano – mas, na ocasião, os tipos de pastagem não foram diferenciados. “Agora, com imagens de maior resolução, vamos refinar esses dados”, explica Kleber Trabaquini, o pesquisador da Epagri/Ciram e coordenador do projeto. A iniciativa conta com apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), do programa SC Rural II (Banco Mundial) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
Diferenciar tipos de pastagens
De perto, a tarefa é mais complexa do que parece: diferenciar pastagens nativas, cultivadas e melhoradas a partir de imagens geradas por satélite não é uma missão simples. Para isso, a equipe vai usar metodologias avançadas de sensoriamento remoto, com imagens orbitais de alta resolução (CBERS-04A), drones e algoritmos de aprendizado de máquina (Random Forest). “Também vamos a campo para validar a classificação do mapa: coletamos pasto em pontos amostrais, secamos e analisamos, em laboratório, a quantidade de biomassa para comparar com os resultados das imagens de satélite”, detalha Kleber.
Uma parceria estratégica com o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG) da Universidade Federal de Goiás (UFG) vai dar apoio ao projeto. Em maio, pesquisadores da Epagri estiveram em Goiânia para formalizar o acordo. As equipes analisaram protocolos metodológicos, agendaram atividades de campo e estabeleceram estratégias para integrar ciência de dados, observação in loco e inteligência territorial.
Depois de finalizado, o projeto servirá de piloto para mapear as pastagens de todo o Estado. O pesquisador Kleber acrescenta que esse projeto também vai contribuir para refinar os mapeamentos nacionais de pastagens, como o Atlas das Pastagens e o MapBiomas. O MapBiomas é uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia que produz mapas anuais de cobertura e uso do solo, buscando monitorar a cobertura vegetal no Brasil.
O que são pastagens naturais?
Pastagens naturais ou nativas (também conhecidas como campos nativos) são formações campestres naturais que predominam nas regiões serranas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Na América do Sul, elas se estendem por 45 milhões de hectares do Cone Sul. “São ecossistemas naturais com alta diversidade de espécies vegetais e animais, somando 43 mil anos de evolução. Elas são mais antigas que as florestas, pois conseguiram se desenvolver ocupando um ambiente muito frio e seco do passado”, diz Cassiano Eduardo Pinto, pesquisador da Epagri na Estação Experimental de Lages.
Ecossistema ameaçado
A pesquisadora Juliana Mio, da Epagri/Ciram, alerta que os campos nativos de Santa Catarina podem perder até 87% de sua área atual até 2036, caso nenhuma ação de conservação e uso sustentável seja implantada. “A necessidade de preservar a floresta em pé já foi incorporada pela sociedade. Mas, sobre o campo nativo, ainda não se tem essa visão, muitas vezes por desconhecimento da importância e do serviço ambiental que esse ecossistema realiza dentro do bioma da Mata Atlântica”, diz a pesquisadora.
Embora tenham a vegetação mais rasteira, os campos nativos agem como se fossem florestas, retendo o carbono e promovendo a infiltração da água no solo. As principais nascentes dos rios de Santa Catarina e zonas de recarga do Aquífero Guarani estão localizadas em regiões de pastagens naturais.
A preservação desse ecossistema também é fundamental para o armazenamento de carbono no solo. Os pesquisadores destacam que o mapeamento pode trazer informações valiosas sobre o potencial dessas áreas de promover o sequestro de carbono e combater o aquecimento global. “Tanto as pastagens nativas quanto as cultivadas possuem um potencial de fixação de carbono ainda pouco explorado de forma detalhada em Santa Catarina. Com esse projeto, a Epagri reafirma seu papel como protagonista nacional na produção de dados geoespaciais aplicados à conservação, à agricultura de baixo carbono e ao ordenamento do território rural catarinense”, reforça o coordenador, Kleber Trabaquini.
Base para a pecuária sustentável
Não bastassem os serviços ambientais, as pastagens naturais ainda são a principal fonte de alimento dos rebanhos comerciais na pecuária do Planalto Sul Catarinense, uma atividade fortemente enraizada na cultura e na economia da região. “É possível obter resultados econômicos satisfatórios com a pecuária de corte baseada em pastagens naturais. Manter os valores culturais de nossos antepassados é fator fundamental para o desenvolvimento equitativo da região”, defende Cassiano.
O pesquisador de Lages destaca os dados do último Censo Agropecuário (IBGE): de acordo com o estudo, 84% das propriedades rurais da região possuem área de até 100 hectares e exploram a pecuária como atividade principal baseada em pastagens naturais.
Pecuária Carbono Zero
O mapeamento das pastagens vai fornecer dados valiosos para o desenvolvimento sustentável do agro catarinense. Um exemplo será a contribuição para o projeto Pecuária ConSCiente Carbono Zero, lançado pela Epagri em 2022, que busca desenvolver tecnologias e estratégias de mitigação de gases do efeito estufa, além de definir parâmetros para calcular a pegada de carbono da pecuária de corte e leite bovina à base de pastagens em Santa Catarina.
Tiago Baldissera, coordenador desse projeto, explica que, embora seja considerada “vilã” na emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), a pecuária pode se transformar em um sistema carbono zero ou até mesmo remover o gás carbônico (CO2) da atmosfera em grande escala. O caminho está na alimentação dos animais à base de pasto – modelo estudado e preconizado pela Epagri há décadas em Santa Catarina como a forma mais sustentável de produzir carne e leite.
“A intenção é buscar estratégias de manejo para a pecuária à base de pasto que levem à mitigação das emissões e, se possível, a um balanço neutro de carbono, associando a imagem da pecuária catarinense a um ambiente de produtividade, qualidade e sustentabilidade”, resume Tiago.
SAIBA MAIS:
– Pastagem melhorada: É uma tecnologia que busca elevar a produção das pastagens naturais, corrigindo suas deficiências, sem substituí-las. Após fazer a correção do solo em superfície, o produtor semeia espécies de pastagens hibernais (que crescem no inverno) elevando a produção animal.
– Pastagem cultivada: Como o próprio nome diz, elas não são naturais da região e precisam ser implantadas na área. São compostas por espécies anuais (que devem ser semeadas todos os anos) ou perenes (que depois de implantadas, permanecem por mais de três anos na área).
Por Cinthia Andruchak Freitas – Jornalista Epagri
Mais informações:
Kleber Trabaquini – pesquisador Epagri/Ciram: (48) 3665 5221
Cassiano Eduardo Pinto – pesquisador Epagri/EEL: (49) 3289 6453
Informações para a imprensa: Isabela Schwengber, assessora de comunicação da Epagri, pelos fones: (48) 3665-5407 / 99161-6596