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JUCEMAR RAMPINELLI

Bot Juiz

É quinta-feira e João (nome fictício) recebe na empresa onde trabalha a visita de uma viatura policial. Respeitosamente os agentes de segurança relatam tratar-se de cumprimento de um mandado prisional em razão de pensão de alimentos em atraso. Levado até a delegacia, João liga para seu advogado que, prontamente, se coloca à serviço para elucidar o problema.

No dia seguinte (sexta-feira), na abertura do fórum, o advogado identificara que o pagamento estava sendo feito, contudo, havia uma pequena diferença à menor, vez que determinado um valor quando “fichado” (carteira de trabalho assinada) e outro quando eventualmente desempregado, o que ocasionou a confusão, destacando-se, ainda, que comprovantes de pagamento estavam sendo juntados em outro processo, também de alimentos, mas pelo rito da penhora, não da prisão.

O processo, na contadoria do fórum, teve juntada a informação do valor devido, que velozmente foi quitado pelo defensor e juntado o comprovante no processo. Com a mesma velocidade o processo chegou à mesa do juiz.

Era sexta-feira, como dito, e o expediente se aproximava de seu fim. Na página da internet o advogado acompanhava e esperava a única decisão, qual seja, a soltura de seu cliente. Todavia, a surpresa! O juiz manteve a prisão e, em sua fundamentação, destacou que a contadoria havia computado pagamento duplo, se valendo de comprovantes de pagamento de outro processo, motivo pelo qual os cálculos precisariam ser refeitos.

Como? Como refazer o cálculo?! Era sexta-feira e o expediente já havia se encerrado! Seu João, trabalhador que nunca havia experimentado uma cela de prisão, não poderia ficar preso até na segunda. Qual a solução? Pedir para o juiz de plantão a reconsideração. E por que pedir a reconsideração? Porque o juiz havia se equivocado e, de fato, a planilha de cálculo do contador judicial estava correta, tendo o juiz interpretado os valores erroneamente, quem sabe pela pressa em entregar a resposta, vez que já vencido o expediente normal.

Assim, em detalhada petição, o advogado de seu João mostra por A+B que a planilha estava correta, tendo sido depositado o valor correto. Ainda, alternativamente, o defensor pede que seu João seja posto em liberdade, vez que, se houve erro, este partiu da contadoria judicial, não podendo um inocente ficar trancafiado no presídio por erro do judiciário, ainda mais um trabalhador que nunca fora preso.

Agora era só esperar o juiz de plantão decidir que não tinha erro! Tinha...infelizmente tinha...não erro, mas um Bot Juiz pela frente. Fico imaginando o diálogo:

Serventuário da justiça: - Excelência, chegou no plantão um pedido de reconsideração acerca de prisão civil por dívida de alimentos.

Bot Juiz: - Informação processada. Conforme Resolução n. 12/2010 do CM esta matéria não comporta análise no plantão.

Serventuária da justiça: - Excelência, a petição informa que o juiz se equivocou e que o valor foi depositado.

Bot Juiz: - Informação processada. Conforme Resolução n. 12/2010 do CM esta matéria não comporta análise no plantão.

Serventuária da justiça: - Mas, Excelência, peço vênia, mas vejo aqui que, se houve erro, este foi da contadoria judicial, porque o defensor de seu João depositou o valor que a contadoria informou.

Bot Juiz: - Informação processada. Conforme Resolução n. 12/2010 do CM esta matéria não comporta análise no plantão.

Serventuária da justiça: - Desculpe insistir, Excelência, estamos falando de uma pessoa. Vejo aqui que ele foi preso no seu trabalho. Também há a informação de que nunca fora preso, que jamais teve qualquer processo na justiça. E mais, se não for analisado o pedido, ele vai ficar preso de hoje, sexta-feira, até segunda, no mínimo até o final do dia...serão três dias preso por erro, se houve, do judiciário.

Bot Juiz: - Informação processada. Conforme Resolução n. 12/2010 do CM esta matéria não comporta análise no plantão.

Na segunda-feira, após três dias preso, próximo das 18h, seu João foi posto em liberdade.

Sei que as pessoas erram. Todos erram. Mas nesse dia, com quase vinte anos de profissão, jamais havia me deparado com tamanha injustiça. Por certo, aquele juiz de carne/osso dormiu e dorme tranquilo (quem é João pra ele?), pois roboticamente se resumiu a uma máquina e, se é pra ser assim, que nos utilizemos sempre de um Bot Juiz.